O
dia em que o povo tomar a rua será carnaval
A cidade, com seus rios de asfalto margeados por
pedras portuguesas e ladeiras com paralelepípedos arrepiados, chama o povo.
Povo, ouça a voz das ruas! Sem regras e sem compromisso, deixe a rua te levar na
desordem embriagadora da folia dos blocos. Estamos em fevereiro, carnaval
chegou, e a cidade-mulher está ainda mais irresistível! Sedutora, em cada canto,
em cada bairro, em cada curva da orla há um bloco e uma maneira de ser feliz.
Uma boa dose de cerveja, um chinelo novo pra gastar e uma fantasia, nem que
seja improvisada, não podem faltar. O trabalho nesses dias fica de lado, pois o
patrão é o pandeiro, que bota o povo pra sambar.
Na Avenida Rio Branco, entre casarões antigos e arranha-céus,
entre o Rio do passado e o do presente, o Cordão da Bola Preta arrasta a
multidão. Se entregue ao cortejo esfuziante do cordão, marcando o passo no
compasso das marchinhas imortais tocadas pela banda tradicional. Cada folião em
si é um bloco, “eu sozinho”, e somados todos, sambando, cantando, pulando e
brincando, fazem o carnaval. Pegue a roupa emprestada com a sua mulher,
arranque a cortina pra fazer uma saia e venha vadiar no cordão. Experimente a
sensação da liberdade de ser o que você quiser, o que você é ou o que você não
é. Escolha seu lado na batalha acirrada entre o Cacique de Ramos e o Bafo da
Onça. De penacho na cabeça, esqueça a dor da vida e caia no samba com as
cabrochas do Bafo.
Na Praça Mauá seja escravo da folia que leva a alegria da
cidade ao porto. Na Praça XV é o Cordão do Boitatá que toca fogo, mata a cobra
e mostra o pau. E que tal brincar de ser freira em Santa Tereza? Não tem
convento que segure! Só não vá perder o bonde; no bloco das Carmelitas,
carnaval é religião. E se gastar todo o sapato, Querubim, brinque descalço, com
pés no céu e com o Céu na Terra. Erudito ou não, basta voar até o Aterro para
curtir uma orquestra pra lá de encantadora.
Na Zona Sul, entre a montanha, o mar, e o sol do quentíssimo
verão carioca, Simpatia é quase Amor. A musa do surf e da Bossa Nova veste-se de Carmen Miranda, de cara pintada e
fruta na cabeça se joga na Banda de Ipanema. Já a Princesinha do Mar quer
apenas ser uma das Mulheres de Chico. No Jardim Botânico as bênçãos vêm do mestre
Tom Jobim e (do Suvaco?!) do Cristo.
Povo da Imprensa, que cobre o fato e caça o furo, fique
atento: a folia vai dar jornal. E se o registro vale um filme, cuidado no
desenrolo: em beijo de cinema todo mundo presta atenção! Mas o carnaval das
ruas é democrático, tem de tudo, até rock
‘n’ roll, pra todo mundo ficar maluco beleza. Até D. Pedro no alto do
monumento jura que é Napoleão. E o Sargento Pimenta, imagine, não tem nada de
careta, psicodélico que só! Tem também espaço para os pequenos no Gigantes da
Lira, pinte o seu nariz e brinque com a criançada.
Tendo a Lagoa como cenário, os foliões de Botafogo se encontram
no "Spanta Neném" e então, no "Pela
Saco", comemoram extasiados mais uma folia inesquecível. É hora de
subir o Morro da Alegria, que tanto nos orgulha. Ali a bateria já se prepara
para ganhar a cidade, dando seus primeiros batuques. É a Mocidade Unida do
Santa Marta, de estandarte azul e branco estrelado, campeã! Vai contar na
Avenida, garbosa, o dia em que o povo tomou as ruas... e fez seu carnaval!
Rafael
Gonçalves e Vitor Saraiva - carnavalescos